Artigos
Os medicamentos podem causar edema periférico?
- Breves Questões Terapêuticas
- O edema periférico é um efeito adverso associado a diversos fármacos.
- A sua identificação pode evitar cascatas de prescrição. |
O edema periférico é uma ocorrência comum,1,2 manifestando-se principalmente nos membros inferiores.2-4 Define-se como um inchaço originado pelo aumento de volume do fluido intersticial.3-6 O edema pode ser compressível, o mais comum, caracterizado pela formação de uma depressão na zona do edema após a aplicação de pressão durante, pelo menos, cinco segundos, ou não compressível, este geralmente associado a linfedema ou hipotiroidismo.3
A causa mais comum de edema periférico é a insuficiência venosa.1 Contudo, pode igualmente estar associado a condições clínicas como insuficiência cardíaca, renal e hepática,1,2,5 ou à toma de alguns medicamentos.1-5,7
O edema periférico dos membros inferiores induzido por fármacos é habitualmente bilateral.2,3,7 Manifesta-se algumas semanas após o início da terapêutica e resolve-se no intervalo de alguns dias após a sua descontinuação.1 É causado por quatro mecanismos principais, que podem coexistir e atuar sinergicamente: a vasodilatação arteriolar pré-capilar, a retenção de sódio e água, a insuficiência linfática e o aumento da permeabilidade capilar.7 Existem fatores individuais que aumentam o risco, tais como o sexo feminino, a idade avançada,2,7 a presença de comorbilidades, como a diabetes,5,7 a hipertensão, a obesidade e condições que causem dor e limitem o movimento.2
Entre os principais fármacos associados ao desenvolvimento ou agravamento de edema periférico (compilação não exaustiva) incluem-se:
Bloqueadores dos canais do cálcio (BCC)1-7
Os BCC podem induzir um edema bilateral e difuso dos pés, tornozelos e, por vezes, da extremidade inferior das pernas, que se acentua ao longo do dia e melhora durante a noite.7 É dependente da dose2,6,7 e tende a aumentar com a duração do tratamento,2,7 sendo mais frequente durante o tempo quente e com a permanência em pé.6
A incidência de edema é superior para o subgrupo das di-hidropiridinas (DHP),2,4,5,7 comparativamente a BCC como o verapamil e o diltiazem. Dentro das DHP, a incidência é superior para os fármacos mais antigos do grupo, como a amlodipina e nifedipina, comparativamente a DHP lipofílicas mais recentes, como a lercanidipina (bjcp, cur) (≈ 14% vs. ≈ 6%).7
Os BCC dilatam preferencialmente os vasos pré-capilares,2,4,5,7 elevando a pressão intracapilar e conduzindo a extravasão de fluído para o espaço intersticial,2,4,6 existindo ainda outros mecanismos que contribuem para o edema.7 Uma vez que os BCC têm efeito natriurético, o edema não é consequência de retenção de sódio e/ou água,2,7 sendo por isso resistente aos diuréticos frequentemente prescritos neste contexto.2,4,6,7 Por outro lado, a utilização de inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (ISRAA), que diminuem a resistência pós-capilar, permite reduzir o edema vasodilatatório,2,7 pelo que associar um BCC a um ISRAA (inibidor da enzima de conversão da angiotensina ou antagonista dos recetores da angiotensina) pode constituir uma estratégia para minimizar o risco, bem como a redução da dose ou a conversão para outro BCC,2,6,7 como uma DHP lipofílica.2,7 Em certos casos pode ser necessário interromper o tratamento.4,7 A toma à noite pode diminuir o risco de desenvolver edema. Limitar o tempo de permanência em pé e/ou a utilização de meias de compressão podem ser medidas adjuvantes úteis.7
Antidiabéticos
As tiazolidinedionas, como a pioglitazona e a rosiglitazona,1,2,4-6 podem causar edema periférico em até 5-6% dos doentes,2,5 valor que pode ser superior nos que têm historial de insuficiência cardíaca5 ou que também fazem terapêutica com insulina.2,5 Entre os mecanismos propostos incluem-se o aumento da permeabilidade do endotélio vascular, da secreção do fator de crescimento endotelial vascular2,4 e da retenção renal de sódio.2,4,5
A insulina pode causar edema periférico2,4-7 durante o início da terapêutica, ou da sua intensificação, em doentes com diabetes recém diagnosticada ou mal controlada.2,4 Desenvolve-se devido a aumento da permeabilidade capilar2,4,7 e à retenção de sódio4,7 e água.7
Anti-inflamatórios não esteroides (AINE)1,2,5-7
O edema periférico manifesta-se em 2-5% dos utentes,7 especialmente se apresentarem fatores que aumentem a suscetibilidade a vasoconstrição induzida por AINE,2,7 como doença renal,2 cardíaca2,5 ou hepática pré-existente.5 O principal mecanismo de formação do edema é a inibição da síntese renal de prostaglandinas dependente da ciclo-oxigenase (COX),5,7 resultando na vasoconstrição das arteríolas aferentes e redução da taxa de filtração glomerular,2,7 originando a retenção de sódio e água.2,5-7 A incidência é semelhante entre AINE não seletivos e inibidores seletivos da COX-2,2,7 indicando que esta é uma situação principalmente mediada pela COX-2. O edema é geralmente ligeiro, surgindo na primeira semana de toma do AINE e é reversível com a sua descontinuação.7
Hormonas sexuais
Os estrogénios,1,5,7 podem promover a retenção de sódio,5,7 principalmente em utentes com alterações do seu metabolismo devido a doença hepática. Outros mecanismos potenciais incluem o aumento da permeabilidade capilar e a vasodilatação arteriolar pré-capilar.7 Os progestagénios e os androgénios também podem causar edema periférico.1,5,7
Gabapentinoides2,4-7
A gabapentina e a pregabalina têm efeito antagonista em algumas subunidades de canais do cálcio, pelo que causam edema periférico por um mecanismo semelhante ao dos BCC.2,4,7 Por outro lado, podem ainda agravar uma insuficiência cardíaca pré-existente.2,4 O edema periférico surge tipicamente nos primeiros meses de tratamento ou após um aumento de dose e regride com a sua redução.2
Corticosteroides1,2,6,7
A incidência depende da dose e duração do tratamento.6 Ocorre especialmente com os de maior efeito mineralocorticoide, devido à retenção de sódio e água,6,7 como a fludrocortisona.1,2,5
Agonistas dopaminérgicos
O pramipexol1,5,6 e o ropinirol,1,2,5,6 são os principais fármacos deste grupo associados a edema periférico.
Muitos outros fármacos têm sido associados a edema periférico,1,2,7 entre os quais se incluem antineoplásicos – docetaxel,5-7 tamoxifeno e inibidores da aromatase – anastrozol, letrozol, exemestano1,5-7 e imunomoduladores – ciclosporina,7 tacrolímus, sirolímus e everolímus.6,7
O edema periférico muitas vezes não é reconhecido como um efeito adverso,2,7 conduzindo a cascatas de prescrição.2,4,7 Estas produzem-se quando é prescrito um novo medicamento para tratar uma condição clínica que, na realidade, consiste numa reação adversa causada pela toma de outro medicamento.4
É importante que os farmacêuticos estejam atentos, em doentes com desenvolvimento ou agravamento do edema, à eventual relação com a introdução de um novo medicamento ou alteração da dose. A abordagem terá de ser individualizada, em função da necessidade do tratamento e do impacto na qualidade de vida.6
Referências bibliográficas:
- Goyal A, Cusick AS, Bhutta BS. Peripheral Edema. [Updated 2023 Aug 17]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2024 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK554452/
- Sinnathamby ES, Urban BT, Clark RA, Roberts LT, De Witt AJ, Wenger DM, Mouhaffel A, Willett O, Ahmadzadeh S, Shekoohi S, Kaye AD, Varrassi G. Etiology of Drug-Induced Edema: A Review of Dihydropyridine, Thiazolidinedione, and Other Medications Causing Edema. Cureus. 2024 Feb 1;16(2):e53400. doi: 10.7759/cureus.53400.
- Smith CC. Clinical manifestations and evaluation of edema in adults. UpToDate®, topic last updated: Jul 24, 2023. Disponível em: www.uptodate.com
- Rubio López JM, Varea Ortiz MªC. Tratamientos que crean edema periférico, los conocidos y los menos conocidos. Med fam Andal. 2022 [acedido a 22-10-2024]; 23(1): 41-51. Disponível em: https://www.samfyc.es/wp-content/uploads/2022/07/v23n1_06_repasandoAP_ttos.pdf
- Sterns RH. Pathophysiology and etiology of edema in adults. UpToDate®, topic last updated: May 15, 2024. Disponível em: www.uptodate.com
- Raymond R, Flanagan M. Chronic oedema: treatment and the impact of prescribed medicines. Clinical Pharmacist. June 2017;9(6). doi:10.1211/PJ.2017.20202834.
- Largeau B, Cracowski JL, Lengellé C, Sautenet B, Jonville-Béra AP. Drug-induced peripheral oedema: An aetiology-based review. Br J Clin Pharmacol. 2021 Aug;87(8):3043-3055. doi: 10.1111/bcp.14752.