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Odette Ferreira (1925-2018)

07 Outubro 2018
Odette Ferreira (1925-2018)
A professora e investigadora Maria Odette Santos Ferreira morreu este domingo, em Lisboa, aos 93 anos.

As cerimónias fúnebres decorrem amanhã, segunda-feira, a partir das 19 horas, na Igreja do Campo Grande. Na terça-feira, pelas 15 horas, será celebrada missa, com o funeral a seguir para o Cemitério do Alto de São João.

A Ordem dos Farmacêuticos manifesta o seu profundo pesar pelo desaparecimento de um dos seus mais ilustres membros. Odette Ferreira foi umas das mais proeminentes farmacêuticas do nosso tempo, com uma dedicação ímpar à profissão, à ciência e aos mais desfavorecidos. Sempre com enorme orgulho no seu título de farmacêutica, deixa uma marca indelével na profissão, pelo prestígio, pelo exemplo, pelos princípios e conhecimentos que transmitiu, enquanto professora, a várias gerações de farmacêuticos, que hoje a revêm como exemplo.

Em nome de todos os farmacêuticos portugueses, a Ordem dos Farmacêuticos dirige as mais sentidas condolências à família e amigos, e reitera a enorme gratidão por toda uma vida e obra que ficam perpetuadas no seio da classe.

 

 



NOTA BIOGRÁFICA 

Maria Odette Santos Ferreira nasceu em Lisboa, a 4 de junho de 1925. Licenciou-se em Farmácia no ano de 1970, doutorou-se na Universidade de Paris Sud, em França, e chegou a Professora Catedrática de Microbiologia em 1987. A sua vida foi uma missão ao serviço da Universidade de Lisboa e do Serviço Nacional de Saúde na área da infeção pelo VIH/sida.

Na década de 70 iniciou a sua colaboração com o Instituto Pasteur de Paris e utilizou a lisotipia de pseudomonas aeruginosa para efetuar o estudo epidemiológico das infeções hospitalares provocadas pelo bacilo piociânico, observadas nos hospitais de Lisboa. Os seus estudos conduziram à identificação de uma proporção bastante elevada de estirpes portuguesas (20%) que não eram tipificáveis pelo sistema de lisotipia de Lindberg, utilizado como sistema de base para a lisotipia do bacilo piociânico.

Na década de 80, trabalhou de forma continuada com o Instituto Pasteur de Paris, Unité d’Oncologie Virale com o Prof. Luc Montaigner, onde desenvolveu treino nas técnicas de deteção do lymphadenopathy AIDS virus (LAV). É desta forma que, mais tarde, consegue proceder ao isolamento do 2.º vírus da SIDA- LAV 2, num doente guineense internado no Hospital Egas Moniz.

Em 1982, num período de estadia no Instituto Pasteur de Paris, em colaboração com o Prof. Leon le Minor, no Laboratório de Lisotipia Entérica, estudou 62 estirpes de acinetobacter calcoaceticus isoladas em Lisboa em algumas unidades hospitalares. Este trabalho, permitiu definir os lisotipos das estirpes hospitalares portuguesas e redefinir um novo tipo lisotipo (lisotipo n.º 104).

Também nesta altura, isolou um novo bacteriófago (fago acinetobacter 82-14) ativo sobre uma estirpe portuguesa. Este fago foi referenciado no Advances Virus Research, assumindo-se que esta descoberta viria a ter implicações filigenéticas e taxonómicas.

A partir da década de 80 toda a sua atividade científica se centrou no estudo da infeção pelo VIH/sida, em particular pela infeção do VIH tipo 2.  Esta descoberta, feita em colaboração com a equipa do Prof. José Luis Champalimaud, do Hospital de Egas Moniz, veio revolucionar o mundo do diagnóstico serológico e contribuiu para que Portugal e a Unidade de Retrovírus e Infeções associadas (URIA) se expandisse e concentrasse importantes linhas de investigação na área dos retrovírus.  Esta Unidade de Investigação da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa tem sido consistentemente avaliada com a classificação de excelente pelos painéis internacionais da Fundação para a Ciência e Tecnologia.

A Professora Maria Odette Santos Ferreira foi coordenadora do Programa Nacional de Luta Contra a SIDA entre 1992 e 2000. Neste âmbito desenvolveu inúmeros projetos e represenou Portugal ao mais alto nível das instâncias da saúde internacionais.

O projeto da sua autoria, de maior impacto nacional e internacional foi, sem dúvida, o projeto de troca de seringas nas farmácias, denominado "Diz não a uma seringa em segunda mão”. Foi considerado pela Comissão Europeia o melhor projeto apresentado por um país comunitário não só pela inovação, mas por ter sido possível desenvolvê-lo, simultaneamente, em todo o território português, através das cerca de 2500 farmácias. Este projeto resultou de uma parceria entre o Ministério da Saúde e a Associação Nacional das Farmácias.  Este programa tinha como finalidade diminuir o risco de transmissão do VIH e de outras doenças transmissíveis (hepatite B e C) à população toxicodependente por via endovenosa.

Outros projetos de impacto significativo na saúde pública foram, respetivamente, a criação dos Centros de Rastreio anónimos e gratuitos, a criação de um centro de drop-in no Intendente, em Lisboa, dirigido às trabalhadoras do sexo, com serviços de aconselhamento, análises, consultas e proteção.

É ainda responsável pela criação do programa CRIA – Programa Conhecer, Responsabilizar, Informar, Agir” de âmbito nacional em 1997 que promove projetos e ações integradas na Luta Contra a SIDA, mediante o conhecimento e informação sobre a doença e a participação efetiva da comunidade e dos grupos alvo na definição e concretização das medidas que possibilitem a melhoria da qualidade da vida das pessoas infetadas.

De destacar ainda a coordenação das Redes Comunitárias de Apoio que operacionaliza a nível nacional, enquanto coordenadora da Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA. Estas redes, desenvolvidas em todos os países comunitários, foram as seguintes:

Rede AIDS e Mobilidade, Rede Prevenção da SIDA e Hepatites nas prisões, Rede Children and Family, Rede Sida-Empresas, Rede European AIDS data SET, Rede Minorias Étnicas, Rede Europeia SIDA e Mulheres entre outras.

Ainda no âmbito da Luta Contra a SIDA, promoveu vários serviços de apoio domiciliário coordenado pelo Projeto Solidariedade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a construção da 2ª residência para apoio a doentes com SIDA em situação precária e cria a primeira unidade de cuidados paliativos para indivíduos com VIH SIDA na cidade de Lisboa (Residência Madre Teresa de Calcutá).

Promoveu também a criação das Comissões Distritais de Luta Contra a SIDA, comissões essas que integram representantes dos sectores da saúde, segurança social, educação e juventude coordenados pelos presidentes das ARS respetivas.

Promoveu a reabertura da Linha SIDA e desenvolve inúmeras atividades, de reconhecido mérito, com a finalidade de melhorar a qualidade de vida dos doentes hospitalizados infetados pelo VIH SIDA, garantindo simultaneamente a proteção dos profissionais de saúde.

Ainda em vida, foi alvo de variadíssimos prémios, distinções e homenagens. Entre outras, foi nomeada pelo governo francês, em 1975, "Chevalier dans l’Ordre des Palmes Academiques”, pelo seu desempenho no fortalecimento da cooperação científica entre Portugal e França, e, em 1987, "Chevalier de la Légion d’Honneur”, pelo talento e mérito que a levaram a uma descoberta da maior relevância no quadro das investigações da sida.

Em Portugal, foi agraciada pela Presidência da República, em 1988, com o "Grau de Comendador da Ordem Militar de Sant’Iago de Espada”, pelo renome internacional granjeado que muito contribuiu para o prestígio de Portugal. No início deste ano, foi também condecorada pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa com a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública, o mais alto grau desta Ordem de Mérito portuguesa, que se destina a galardoar serviços prestados à causa da educação e do ensino.

Em 2016, foi distinguida pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) com a Medalha de Mérito pelo seu "valioso e excecional contributo para o desenvolvimento da ciência ou da cultura científica em Portugal”.

Também a Ordem dos Farmacêuticos reconheceu o seu vasto trabalho, prestígio e dedicação à profissão atribuindo-lhe, em 1989, a sua Medalha de Honra, e, em 2012 a Medalha de Ouro da Ordem dos Farmacêuticos. Com o propósito de contribuir para a promoção e dinamização da investigação em Saúde Pública por farmacêuticos em Portugal, a Ordem dos Farmacêuticos criou ainda, em 2010, um prémio de investigação científica com o seu nome, designado por Prémio de Investigação Científica Professora Doutora Maria Odette Santos-Ferreira.

Odette Ferreira foi agraciada com o Prémio Universidade de Lisboa em 2006 e recebeu, em 2013, o colar do Prémio Nacional de Saúde.