
Notícias
Peritos sugerem medidas concretas para restringir consumo de antibióticos
30 Junho 2017
O Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) apresentou o seu Relatório da Primavera, referente ao ano de 2017. “Viver em Tempos Incertos. Sustentabilidade e Equidade na Saúde” é o título da edição deste ano, que aborda também as medidas do Programa do Governo no âmbito do medicamento. Resistências antimicrobianas, consumo de anticoagulantes e dispensa de medicamentos oncológicos em farmácias comunitárias são algumas das matérias alvo de análise pelos peritos do OPSS.
O Relatório da Primavera 2017 do OPSS salienta o elevado consumo de antibióticos em Portugal, designadamente de ciclosporinas e quinolonas, incentivando "a implementação de estratégias conducentes à melhoria do padrão de consumo de antibióticos. Entre estas, incluem-se a promoção de campanhas à população, alertando para os perigos do consumo de antibióticos, bem como a aplicação de estratégias de restrição do consumo de antibióticos de largo espectro ou ainda a utilização disseminada de testes rápidos para avaliar o perfil de suscetibilidade das bactérias, promovendo a utilização de antibioterapia dirigida”.
No que se refere à utilização e despesa dos medicamentos anticoagulantes, destaca-se o facto de serem o terceiro grupo farmacoterapêutico com maior peso na despesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com medicamentos (7,7%), representando cerca de 84 milhões de euros, um crescimento de 27,7% face ao ano anterior.
"A evolução mais recente tem sido no sentido de privilegiar os novos anticoagulantes orais (NACOs) face aos antivitamínicos K (AVK), bem como a introdução no mercado do idarucizumab, primeiro agente de reversão específico para dabigatrano”, dizem os especialistas, que alertam também para a tendência de crescimento deste mercado com a comparticipação do edoxabano.
Os autores sugerem uma monitorização da utilização dos NACOs como primeira escolha na fibrilhação auricular, "ainda que aplicável apenas a um subgrupo populacional” e chamam a atenção para os indicadores propostos pela Administração Central do Sistema de Saúde, que "caminham no sentido contrário, ao identificar a utilização de AVK como indicador de práticas de prescrição racional, independentemente da indicação, parecendo adotar uma ótica de minimização de custos em detrimento do custo-efetividade, que a evidência disponível vem garantindo”.
Na perspetiva de descentralização da dispensa de terapêuticas antineoplásicas orais para as farmácias comunitárias, como forma de melhorar o acesso à medicação, o Relatório da Primavera salienta a adesão e a persistência à terapêutica como aspeto crítico, "área na qual o farmacêutico comunitário pode ter um papel decisivo. Se, por um lado a efectividade e a segurança do tratamento dependem largamente da dose administrada, no caso do tratamento com antineoplásicos orais, o doente tem ainda total decisão sobre tomar ou não a medicação, fazendo-o em casa, sem supervisão do médico nem da equipa de enfermagem”, pode ler-se no documento.
Conforme se explica, em Portugal os antineoplásicos orais são atualmente dispensados através dos Serviços Farmacêuticos hospitalares com valência oncológica. "No contexto europeu e norte-americano existem distintos modelos de dispensa destes medicamentos, designadamente através modelos descentralizados que incluem o hospital, a farmácia comunitária e as chamadas "farmácias especializadas”, como acontece no Canadá ou através das farmácias comunitárias, como na Alemanha e França. No Reino Unido, foi proposto um modelo com três níveis distintos de serviços de dispensa de antineoplásicos, nos quais as farmácias comunitárias têm um envolvimento diferente”.
Em face destas experiências, considera-se que as farmácias comunitárias "poderão ser consideradas na dispensa da medicação antineoplásica oral, mas não sem antes se fazer uma reflexão aprofundada sobre as vantagens e desvantagens, barreiras e desafios inerentes ao mesmo.
A oportunidade para reforçar o papel dos farmacêuticos nesta área é consensual, apesar de ser reconhecida a necessidade de estudos que clarifiquem este papel, principalmente no ambulatório. "Neste contexto, parece-nos importante rentabilizar o conhecimento, experiência e capacidade já instalados, existente nos hospitais, complementando-os com a integração do farmacêutico comunitário, nomeadamente no que respeita à educação do doente oncológico, à prevenção e, na área do medicamento: controlo da dor, controlo da emese, gestão da terapêutica e dispensa de hormonas e anti-hormonas”, adianta-se.
Além dos aspetos relacionados com a formação dos farmacêuticos, os autores consideram "necessário assegurar a existência de mecanismos que permitam a articulação efetiva dos diferentes profissionais de saúde, a transversalidade da informação clínica e outra relevante, bem como medidas que assegurem a transição segura do doente entre os diferentes níveis de cuidados”.
"Da análise efetuada, consideramos que uma eventual alteração do modelo dispensa dos antineoplásicos orais que venha a integrar as farmácias comunitárias, pode trazer benefícios em termos de acessibilidade, mas deve ser feita de uma forma faseada – sequencialmente identificando, corrigindo e consolidando lacunas – com base na implementação de projetos-piloto, devidamente avaliados e com indicadores objetivos, que permitam medir resultados”, refere o relatório.
"No nosso entender, futuras alterações assentam na premissa da integração de níveis de cuidados de saúde no seguimento do doente oncológico, reduzindo francamente o número de deslocações do doente ao hospital e aumentando o papel do médico de família, do farmacêutico comunitário e do enfermeiro gestor de doente, neste processo”, defendem os autores.
Tendo em conta o perfil de segurança e demais especificidades dos diferentes antineoplásicos orais, as hormonas e anti-hormonas são consideradas mais adequados para testar, numa primeira fase, a alteração do modelo de dispensa, à semelhança do que ocorre em outros países europeus. "Relativamente aos citotóxicos e imunomodeladores, subsistem algumas dúvidas quanto ao impacto para o doente decorrente da alteração da dispensa, que merecem estudos aprofundados”, advertem.
Para estes especialistas, o projecto-piloto de delegação parcial da dispensa de medicamentos antirretrovíricos nas farmácias, atualmente em curso, mas ainda sem resultados conhecidos, ”será certamente uma mais-valia para as decisões futuras, também nesta área”.
Além da política do medicamento, o documento analisa as medidas propostas no Programa do Governo para a área da Saúde, tais como "o Programa Nacional de Educação para a Saúde, Literacia e Autocuidados, a redução das desigualdades no acesso aos cuidados, o reforço do poder do cidadão (através da liberdade de escolha, envolvimento da comunidade e maior transparência no desempenho das unidades de cuidados), a expansão dos cuidados de saúde primários e dos cuidados continuados integrados (retomando a reforma iniciada em 2006), e outros desafios mais vagos como a melhoria da gestão hospitalar, o aperfeiçoamento dos recursos humanos e a melhoria da governação”.
Os autores destacam, neste âmbito, que "foi possível adotar pequenas medidas de melhoria do SNS, verificando-se, no entanto, que ficaram aquém dos investimentos necessários para atingir o tal "revigoramento” e "recuperação” do SNS”.
Numa avaliação global do sistema de saúde português, por comparação com os restantes países da Organização para o Crescimento e Desenvolvimento Económico (OCDE), analisam-se alguns indicadores de saúde das populações, fatores de risco, despesas em saúde, efetividade e qualidade dos cuidados (mortalidade evitável, consumo de antibióticos, rastreios), e acesso aos cuidados.
Na vertente financeira, o relatório debruça-se sobre a sustentabilidade económica do Serviço Nacional de Saúde (SNS), considerando a eficiência do sistema de saúde, por comparação entre despesas e resultados em saúde entre Portugal e os países da União Europeia, e as consequências do endividamento do SNS. De forma mais específica, são focados temas como as desigualdades na utilização e acesso aos cuidados de saúde e as tendências recentes na política do medicamento, que representa 19,5% das despesas em saúde e 23% dos encargos do SNS.
Por fim, o relatório faz ainda uma caracterização dos "cuidados paliativos em Portugal continental, em termos de equipas, unidades e camas, tempos de espera, recursos humanos e doentes tratados”, questão também considerada "premente”, visto que "a maioria dos óbitos ocorrem nos hospitais, com uma escassa oferta de cuidados paliativos, e com desrespeito pela vontade e preferências das pessoas”.
O OPSS é uma parceria entre a Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP), o Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra (CEISUC), Universidade de Évora, e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.
O Relatório da Primavera 2017 é uma obra patrocinada pelo OPSS pela Associação de Inovação e Desenvolvimento em Saúde Pública (INODES).
Clique aqui para aceder ao Relatório da Primavera 2017 do OPSS.