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A cessação tabágica pode estar associada a interações medicamentosas?

  • Breves Questões Terapêuticas
25 Outubro 2022
A cessação tabágica pode estar associada a interações medicamentosas?
 
  • O fumo do tabaco tem efeito indutor sobre algumas enzimas hepáticas.
  • Alguns fármacos sofrem aumento da metabolização em fumadores.
  • Parar de fumar pode conduzir a efeitos adversos por aumento dos níveis plasmáticos.

O consumo de tabaco induz o metabolismo de alguns medicamentos.1-4 Os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos são produtos da combustão incompleta do tabaco e os compostos com maior efeito indutor das enzimas do citocromo P450.2-4 Entre as isoenzimas induzidas pelo fumo do tabaco, a CYP1A2 é a de maior significado clínico, uma vez que muitos fármacos são seus substratos.1-4 

Indivíduos que fumem e tomem algum medicamento que seja substrato das isoenzimas induzidas, principalmente da CYP1A2, podem requerer a administração de doses mais altas para obter uma eficácia adequada.2,3 Quando se deixa de fumar de forma abrupta, voluntariamente ou devido a internamento hospitalar,2,4 esta indução do metabolismo desaparece progressivamente, com diminuição da atividade da CYP1A2. Isto pode originar efeitos adversos relacionados com o aumento das concentrações plasmáticas,1-4 o que pode ter consequências potencialmente mais graves no caso de fármacos com margem terapêutica estreita,1,2 mesmo que o grau de indução seja ligeiro.3 A alteração do metabolismo dos fármacos pode suceder em qualquer pessoa que reduza o consumo de tabaco, mesmo que tenha hábitos tabágicos leves.2 

A nicotina não induz a atividade enzimática e não está implicada neste tipo de interações.1-4 Assim, o tratamento com substitutos da nicotina não afeta as concentrações dos fármacos2-4 nem previne estas interações,1 tal como o uso de cigarros eletrónicos.3 

Apesar de a maioria das interações entre fármacos e o fumo do tabaco não serem clinicamente significativas,3 as abaixo referidas têm sido associadas a consequências adversas.


Medicamentos do sistema nervoso central

A clozapina e a olanzapina são metabolizadas principalmente pela CYP1A2.1-4 O consumo diário de 7-12 cigarros/dia é provavelmente suficiente para causar indução máxima do seu metabolismo.4 Estão descritos vários casos de indivíduos sob tratamento estabilizado com clozapina ou olanzapina que apresentaram efeitos adversos após cessação tabágica.2-4 Entre os sintomas descritos incluem-se agravamento dos sintomas psiquiátricos, sonolência, hipersalivação, fadiga extrema, crises convulsivas,2 efeitos extrapiramidais e síndrome do QT longo.1,2 Indivíduos tratados com clozapina e olanzapina requerem rigorosa vigilância caso interrompam o uso de tabaco, podendo ser necessária uma redução gradual das doses.2,3 

O tabaco também pode diminuir as concentrações plasmáticas de outros antipsicóticos, como o haloperidol e a cloropromazina,1,2 de modo que a descontinuação do tabaco pode aumentar as suas concentrações e requerer a diminuição da dose, apesar de a sua relevância clínica ser menor.2 No caso da cloropromazina, existe um relato de aumento dos efeitos sedativos após cessação tabágica.3 

O consumo de tabaco tem sido associado a uma redução das concentrações plasmáticas de fluvoxamina.1,2,4 Está descrito um caso de surgimento de efeitos adversos após a cessação do tabaco durante tratamento com duloxetina, que se resolveu com redução de dose.2 


Medicamentos cardiovasculares

A varfarina é parcialmente metabolizada pela CYP1A2, existindo alguma evidência de que o tabaco possa aumentar a sua clearance, conduzindo a diminuição dos seus efeitos.3,4 Estão descritos casos de elevação do INR em indivíduos tratados com varfarina após a descontinuação do tabaco, com necessidade de diminuição das doses.1,2 Consequentemente, o INR deve ser cuidadosamente monitorizado se existir alteração no consumo de tabaco.2-4 

O metabolismo da flecainida é superior em fumadores,1-3 com aumento da clearance em 50%, pelo que a paragem abrupta do tabaco pode desencadear efeitos adversos e requerer redução da dose.3 Esta indução enzimática pode igualmente acelerar a metabolização do propranolol e da mexiletina.1,2 

O riociguat, um vasodilatador utilizado no tratamento da hipertensão arterial pulmonar,1 também pode ser afetado pela indução enzimática em fumadores,1,3 com eventual necessidade de redução da dose caso o indivíduo pare de fumar durante o tratamento.3 


Outros fármacos

A teofilina1-3 e a aminofilina são metabolizadas pela isoenzima CYP1A2,3 o que condiciona um marcado aumento da sua eliminação em fumadores1-3 e a possível necessidade de redução de dose caso o uso do tabaco seja interrompido.

O metabolismo de certos antineoplásicos, como o erlotinib1-3 e o irinotecano, pode ser aumentado pelo consumo do tabaco.1,2 No caso do primeiro, a redução dos níveis atinge 50-60%.3

O ropinirol é também um substrato do CYP1A2. Está descrito um caso de aparecimento de efeitos adversos significativos quatro dias após interrupção do consumo de tabaco.2 

A metabolização da cafeína é também afetada pela indução da CYP1A2.1-3 

Nos fumadores que cessam o uso de tabaco é de prever uma sobredosagem de certos medicamentos, por paragem da indução enzimática causada por constituintes do fumo.1,2 Durante algumas semanas,2 a um mês1 após a cessação tabágica deve ser efetuada uma vigilância especial, particularmente nos indivíduos tratados com medicamentos de margem terapêutica estreita. Se necessário, a sua posologia deve ser ajustada, de modo a evitar o aparecimento de efeitos adversos por sobredosagem,1,2 que podem inclusive motivar internamento hospitalar.2 Qualquer ajuste na dose deve ser individualizado, uma vez que o grau de indução enzimática pode variar dependendo de fatores como polimorfismos genéticos, da composição e da quantidade de tabaco consumido, bem como do grau de inalação.3,4 


Referências bibliográficas


1. Arrêt du tabac: surdose de certains médicaments. Rev Prescrire. 2020; 40(445): 830-2.
2. Interacciones farmacológicas al dejar de fumar. Butlletí de Farmacovigilància de Catalunya. 2020 [acedido a 25-10-2022]; 18(5): 17-9. Disponível em: https://scientiasalut.gencat.cat/bitstream/handle/11351/5526/BFV_2020_18_05_cas.pdf?sequence=2&isAllowed=y
3. Hodgson G. What are the clinically significant drug interactions with tobacco smoking? UK Medicines Information (UKMi) team. Date prepared: July 2020 [acedido a 25-10-2022]. Disponível em: https://www.sps.nhs.uk/wp-content/uploads/2020/03/UKMi_QA_Interactions-with-tobacco_update_Jul-2020.pdf
4. Lucas C, Martin J. Smoking and drug interactions. Aust Prescr. 2013; 36(3): 102-4. https://doi.org/10.18773/austprescr.2013.037


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