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Os gabapentinoides apresentam risco de uso abusivo?
- Breves Questões Terapêuticas
- A prescrição de gabapentinoides tem vindo a aumentar, inclusive em indicações não aprovadas. - Pessoas com história de abuso de substâncias ou patologias psiquiátricas parecem ter um risco acrescido para uso inapropriado destes fármacos. |
A gabapentina e a pregabalina,
coletivamente designadas gabapentinoides, são derivadas do
neurotransmissor ácido γ-aminobutírico (GABA). Em
doses terapêuticas, causam um aumento moderado da concentração do GABA
extracelular a nível cerebral. Este aumento produz efeitos GABA-miméticos
ligeiros, tais como euforia e relaxamento, que se verificam especialmente
no início da terapêutica e em doses supraterapêuticas.1,2
Os
gabapentinoides são amplamente utilizados na epilepsia e no tratamento
sintomático da dor neuropática, como neuropatia diabética e nevralgia
pós-herpética; a pregabalina é também prescrita
no contexto da perturbação de ansiedade generalizada.1 A
prescrição de gabapentinoides tem aumentado consideravelmente ao longo dos
anos, incluindo em indicações não aprovadas – uso off-label
– com evidência de suporte limitada.1,3,4 São exemplos de condições
para as quais os gabapentinoides não têm aprovação a dor não neuropática1,3-5,
a síndrome das pernas inquietas, a fibromialgia e a enxaqueca.3
Potencial de Abuso e Uso Indevido
Atualmente, reconhece-se que os gabapentinoides apresentam risco de abuso e/ou uso indevido,1,2 começando a integrar também o grupo de drogas recreativas, de acesso relativamente facilitado.1,3,4 Por isso, este potencial tem-se tornado uma preocupação crescente. Alguns indivíduos recorrem ao seu uso para aumentar o efeito de outros fármacos, para aliviar sintomas como ansiedade e dor,4 ou para mitigar sintomas de abstinência de outras substâncias.3,4
Os indivíduos com historial ou distúrbios relacionados com o abuso de substâncias, particularmente de opioides, estão mais propensos ao abuso ou uso indevido dos gabapentinoides.1-4 Este risco é também superior em doentes com alterações psiquiátricas4 e nos jovens.2,5
O uso abusivo de gabapentinoides envolve tipicamente a toma de doses supraterapêuticas – acima de 600 mg para a pregabalina e acima de 3600 mg para a gabapentina,2 possivelmente devido aos seus efeitos eufóricos dependentes da dose.3 Em doses elevadas, a euforia é um efeito adverso comummente associado aos gabapentinoides,5 especialmente à pregabalina.2,4 Outros efeitos experienciados com doses supraterapêuticas incluem alucinações, sociabilidade, desinibição, aumento da energia ou, contrariamente, sedação/relaxamento/calma e dissociação.2,4,5
A pregabalina parece estar associada a maior potencial de uso abusivo face à gabapentina,1-3 o que é corroborado por reportes de farmacovigilância.2 Ao possuir um início de ação mais rápido e uma melhor biodisponibilidade,1-3,5 a pregabalina permitirá alcançar mais rapidamente os efeitos eufóricos pretendidos.2
O uso abusivo habitual dos gabapentinoides pode conduzir a taquifilaxia4 e dependência.2-4 A taquifilaxia desenvolve-se rapidamente, existindo uma necessidade contínua de aumento de dose para atingir o efeito pretendido.2
Os sinais e sintomas de abstinência dos gabapentinoides podem ocorrer entre 12 horas e 7 dias após a cessação abrupta do fármaco.3 Alguns destes sinais e sintomas incluem irritabilidade, tremores, convulsões, taquicardia, diaforese, insónia, cefaleias, náuseas e diarreia, ansiedade e fadiga.3-5
O uso
ilícito dos gabapentinoides está associado ao aumento do risco de
comportamentos suicidas3,5 e suicídio, sobredosagem acidental e
lesões graves, com consequências potencialmente fatais.3 Quando associados
a fármacos sedativos e opioides, as sobredosagens por gabapentinoides podem
causar depressão respiratória e insuficiência cardíaca.2-4
Recomendações para minimização do risco
A prescrição médica é a forma mais comum de obtenção de gabapentinoides para uso indevido. À semelhança do que acontece com os opioides e as benzodiazepinas, os gabapentinoides são usados para tratar condições em que a eficácia terapêutica é baseada em medidas subjetivas. Assim, os doentes podem sobrestimar os seus sintomas para obter doses superiores,2 as quais estão associadas a perigos significativos.4
O uso de gabapentinoides requer especial precaução em pessoas com historial, ou distúrbios de abuso de substâncias.1,2 Nestes, a sua prescrição deve ser evitada1 ou, se tal não for possível, rigorosamente monitorizada.1,4,5
Quando a indicação para o uso dos gabapentinoides não é clara e, particularmente, havendo risco para ocorrência de efeitos adversos, recomenda-se a desprescrição do fármaco,3 o que requer acompanhamento e redução gradual da dose ao longo de dias a semanas, para evitar a ocorrência de sintomas de privação.2,3
Entre
as medidas passíveis de mitigar os riscos associados ao abuso e/ou uso
indevido da gabapentina e da pregabalina incluem-se:2,4
- Prescrição baseada na evidência e em doses adequadas;
- Educação dos doentes para os riscos associados;
- Monitorização dos utentes, para detetar sinais de uso indevido;
- Descontinuação gradual, de modo a prevenir possíveis sintomas de privação.
Referência
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