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Os medicamentos podem causar ou agravar as cãibras musculares?
- Breves Questões Terapêuticas
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As cãibras são contrações involuntárias, dolorosas e repentinas de um musculo que, em geral, se resolvem espontaneamente em alguns minutos.1 Usualmente envolvem os músculos da perna ou os pequenos músculos do pé.2 Surgem em repouso, geralmente à noite.1,3 Em contraste com as cãibras noturnas, as devidas a doenças neuromusculares ou sistémicas são mais prováveis ao longo do dia ou envolvendo outras partes do corpo.2 As cãibras manifestam-se mais frequentemente em pessoas idosas, mulheres grávidas e desportistas.1,4,5
Em muitos casos, a causa das cãibras é desconhecida.3,4,6 Contudo, têm sido apontados potenciais fatores etiológicos: alterações metabólicas, transtornos hidroelectrolíticos,1,2,4,6 problemas neurológicos,2,6 problemas estruturais ou mecânicos nas pernas,6 deficiências vitamínicas, exercício, consumo de café, doença vascular periférica ou doença venosa crónica.
Nem sempre é fácil interpretar a validez de muitas das associações relatadas. As cãibras são mal definidas em muitos trabalhos e podem ter sido confundidas com outras condições.2
Numerosos medicamentos estão associados ao surgimento de cãibras, podendo-as precipitar por vários mecanismos. São, com frequência, medicamentos que expõem a transtornos hidroelectrolíticos ou com toxicidade a nível muscular.1
Os diuréticos podem causar cãibras ao provocar alterações hidroelectrolíticas1-3 especialmente os tiazídicos e os poupadores de potássio.4,6 Apenas pequenos aumentos do risco foram observados para os diuréticos de ansa.6 Com este mecanismo são também referidos: laxantes,1 corticosteroides,1,2 cinacalcet e inibidores da bomba de protões (lansoprazol).1,3
Os agonistas adrenérgicos beta-2 (salbutamol, terbutalina, salmeterol, formoterol) também se associam a cãibras.1,3,5-7 Os seus efeitos estimulantes nos neurónios motores são uma possível explicação.2
Os agonistas beta-2 de longa duração de ação inalatórios e alguns diuréticos são medicamentos para os quais a evidência de associação com cãibras é mais forte,2,4,6 embora ainda não comprovada.6
Tem sido relatado o desenvolvimento de cãibras em pessoas em tratamento com estatinas.1-7 Podem surgir em tratamentos com levotiroxina, geralmente em caso de dose excessiva, pois são um sinal de hipertiroidismo.1 As cãibras também têm sido associadas com: medicamentos cardiovasculares, como bloqueadores beta-adrenérgicos com atividade simpaticomimética intrínseca,6 inibidores da enzima de conversão da angiotensina, antagonistas dos recetores da angiotensina1,6 e bloqueadores da entrada do cálcio5,7 (nifedipina);1,2,5 antineoplásicos e imunomodulatores como, por exemplo, raltitrexedo, nilotinib, oxaliplatina, tacrolímus,1 interferão alfa,7 bortezomib, imatinib, ciclosporina1,7 ou vincristina.6
Outros fármacos para os quais têm sido referidas cãibras: raloxifeno,3,4,6 donepezilo,3,6,7 celecoxib, aceclofenac, iloprost, piridostigmina,7 rivastigmina, sertralina, zolpidem, bromocriptina, ciprofloxacina,3 teriparatida,3,6 naproxeno,4,7 lítio,1,4,5 morfina,2,5 naltrexona,1,7 bifosfonatos,3,7 contracetivos orais,6 pregabalina, citalopram, fluoxetina e famotidina.7
Em certos casos a incidência de cãibras é muito baixa.3 A associação de vários fármacos que possam expor a cãibras aumenta o risco.1 Os exemplos citados não constituem uma lista exaustiva.
Nas pessoas com cãibras noturnas nas pernas, incómodas ou frequentes, deve ser equacionada a presença de condições ou de medicamentos que possam estar relacionados com a sua aparição ou agravamento,2 reavaliando, se necessário, os seus benefícios e riscos.
Ao introduzir medicamentos
suscetíveis de expor a cãibras, especialmente no caso de medicamentos com
toxicidade muscular, pode ser conveniente informar a pessoa. Em casos raros
anunciam ou acompanham uma rabdomiólise, podendo ser um sinal de alerta.1
Referências bibliográficas
2. Rabbitt L, Mulkerrin EC, O'Keeffe ST. A review of nocturnal leg cramps in older people. Age Ageing. 2016 Nov; 45(6): 776-782. doi: 10.1093/ageing/afw139.
3. Allen R, Kirby K. Nocturnal leg cramps. Am Fam Physician. 2012 [acedido a 10-11-22]; 86(4): 350-5. Disponível em: https://www.aafp.org/pubs/afp/issues/2012/0815/p350.html
4. BPAC. Nocturnal leg cramps: is there any relief? BPJ. 2012 [acedido a 10-11-22]: (49); 24-28. Disponível em: https://bpac.org.nz/bpj/2012/december/legcramps.asp
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7. IBM Micromedex® DRUGDEX® (electronic version). Truven Health Analytics, Greenwood Village, Colorado, USA. Disponível em: http://www.micromedexsolutions.com/ (acedido a: 10-11-2022).
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