Política de Cookies

Este site utiliza Cookies. Ao navegar, está a consentir o seu uso. Saiba mais

Compreendi
Imaem noticias

Artigos

Quais as possíveis consequências da interrupção do tratamento com antidepressores?

  • Breves Questões Terapêuticas
30 Agosto 2022
Quais as possíveis consequências da interrupção do tratamento com antidepressores?
 
  • A interrupção do tratamento ou a redução de dose de um antidepressor pode originar sintomas de descontinuação.
  • Os sintomas surgem rapidamente, com gravidade e duração variáveis, mas geralmente são ligeiros e autolimitados.
  • A descontinuação da maioria dos antidepressores deve ser feita de modo gradual, sempre que possível.

Quando utilizados continuamente por um período superior a quatro1,2 ou seis semanas,3 a paragem abrupta ou marcada redução da dose de um antidepressor pode potencialmente originar sintomas de descontinuação, designada também por síndrome de descontinuação.1-5 
A síndrome de descontinuação carateriza-se por sintomas tipicamente inespecíficos que surgem rapidamente após a interrupção do antidepressor, podendo ser semelhantes ou não aos da patologia primária,1,5 com gravidade variável.3-5 
Os sintomas geralmente iniciam-se no intervalo de horas a dias após redução da dose ou cessação do antidepressor.3,4 Apesar de invulgar, podem surgir após omissão de uma dose.5 São geralmente transitórios e autolimitados,1,2,5 dissipando-se ao longo de 1-2 semanas sem tratamento específico,5 ou com rápida melhoria após reinício da medicação.1,4 Em alguns casos, contudo, os sintomas podem persistir por períodos iguais ou superiores a um mês, interferir com o funcionamento do indivíduo e, raramente, levar a hospitalização.5

O aparecimento de sintomas em consequência da descontinuação/redução da dose de antidepressores pode levar à perceção de que estes fármacos causam dependência, o que não é o caso. Os utentes não manifestam caraterísticas típicas de comportamentos aditivos, como uso compulsivo e aumento da ingestão (tolerância), apesar de consequências negativas.1,3,4 
Os sintomas variam consoante a classe farmacológica e o fármaco individual,3,4 uma vez que, mesmo dentro da mesma classe, diferentes fármacos podem ter diferentes perfis de afinidade e ligação a recetores.4 De modo transversal a todas as classes implicadas, os principais sintomas de descontinuação consistem em sintomas gripais, fadiga, cefaleias, náuseas e vómitos, alterações do humor, ansiedade e irritabilidade, tonturas, parestesias, sensação de choque elétrico, particularmente com os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) e os inibidores da recaptação da serotonina e noradrenalina (IRSN), e perturbações do sono, com insónias, pesadelos e sonhos vívidos.1,2,4 

Existe uma correlação, dentro das classes farmacológicas, entre a semivida de eliminação e a gravidade e tempo para aparecimento dos sintomas de descontinuação.1 Assim, antidepressores com tempo de semivida mais curto apresentam maior risco de desenvolvimento de sintomas.1,4,5 O seu início parece ocorrer cerca de 3-5 semividas após a descontinuação.1
No caso dos ISRS, a paroxetina1,2,4,5 e a fluvoxamina têm os tempos de semivida mais curtos e estão associadas ao maior risco,4,5 principalmente a primeira.1,3,4 O citalopram, o escitalopram e a sertralina apresentam um risco inferior,1,4,5 enquanto a fluoxetina carreta o menor risco,1-5 devido ao longo tempo de semivida do seu metabolito ativo.3-5 Entre os IRSN, a venlafaxina, principalmente,1-5 e a desvenlafaxina acarretam o maior risco,1,4,5 com a duloxetina a apresentar também risco,1,4 mas menor, que aumenta para doses mais elevadas.1
Os antidepressores tricíclicos e os inibidores irreversíveis da monoaminoxidase estão associados a um risco elevado de sintomas de descontinuação.1,4 Alguns relatos de caso sugerem que a descontinuação da mirtazapina e do bupropiom também pode causar sintomas,1,5 mas os dados são limitados.4,5 A agomelatina parece não acarretar risco de sintomas de descontinuação.1,3,5 Os dados relativamente a outros antidepressores são escassos.4

A descontinuação ou redução de dose dos antidepressores pode acarretar risco de ideação suicida, suicídio e mania.1,3,4 Pode resultar ainda em situações distintas da síndrome de descontinuação, como a reemergência dos sintomas da doença subjacente de modo mais acentuado do que antes do início do tratamento – efeito ricochete,1,4 ou o ressurgimento da mesma patologia devido a perda do efeito farmacológico – recaída.1-5 

Aconselhamento
A cessação abrupta de um antidepressor pode ser necessária por motivos clínicos.3,5 Se possível, a maioria dos antidepressores deve ser descontinuada gradualmente ao longo de quatro semanas,1,3,5 podendo ser necessários períodos superiores. Caso os sintomas sejam graves, o fármaco deve ser reintroduzido e deve ser tentada a descontinuação a um ritmo mais lento.2,4,5 Os esquemas de descontinuação podem ser dificultados pela inexistência de formulações adequadas aos progressivos ajustes de dose.4
Apesar de alguns indivíduos reportarem apenas ligeiro desconforto após cessação abrupta dos antidepressores, outros podem ser gravemente afetados.3,5 É essencial proporcionar aos utentes, no início do tratamento, informação acerca dos riscos da descontinuação abrupta dos antidepressores e dos principais sintomas implicados.1,4,5 É importante transmitir que os sintomas de descontinuação não constituem uma ameaça vital, são reversíveis e geralmente autolimitados,1,2,4 o que poderá prevenir atendimentos desnecessários em serviços de urgência, e assegurar que estes sintomas não traduzem dependência.
Uma vez que os antidepressores podem estar envolvidos em interações medicamentosas, a sua cessação requer uma revisão completa da medicação concomitante,4,5 podendo ser necessários ajustes de dose.5


Referências bibliográficas


1. Henssler J, Heinz A, Brandt L, Bschor T. Antidepressant Withdrawal and Rebound Phenomena. Dtsch Arztebl Int. 2019 May 17; 116(20): 355-361. doi: 10.3238/arztebl.2019.0355. 
2. Gabriel M, Sharma V. Antidepressant discontinuation syndrome. CMAJ. 2017 May 29; 189(21): E747. doi: 10.1503/cmaj.160991. 
3. Keks N, Hope J, Keogh S. Switching and stopping antidepressants. Aust Prescr. 2016 Jun; 39(3): 76-83. doi: 10.18773/austprescr.2016.039. 
4. Zwiebel SJ, Viguera AC. Discontinuing antidepressants: Pearls and pitfalls. Cleve Clin J Med. 2022 Jan 4; 89(1): 18-26. doi: 10.3949/ccjm.89a.21020. 
5. Hirsch M, Birnbaum RJ. Discontinuing antidepressant medications in adults. UpToDate®, topic last updated: May 16, 2022 [acedido a 29-08-2022]. Disponível em: www.uptodate.com


A Ordem dos Farmacêuticos disponibiliza informação cientificamente validada sobre medicamentos, dispositivos médicos e outros produtos de saúde, bem como ligações para outras informações de saúde publicadas por fontes idóneas e credíveis. Este conteúdo foi produzido para profissionais de saúde. Em caso de dúvida, fale sempre com o seu farmacêutico ou médico assistente.