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Quais os riscos associados ao uso de medicamentos contendo tiocolquicosido?

  • Breves Questões Terapêuticas
21 Dezembro 2023
Quais os riscos associados ao uso de medicamentos contendo tiocolquicosido?

 

- O uso prolongado de tiocolquicosido, assim como a utilização de doses superiores às preconizadas, pode desencadear aneuploidia.

    -  Deverá ser prestada informação, em particular às mulheres, sobre os riscos de uma gravidez aquando da utilização de medicamentos contendo tiocolquicosido.

    - Utentes com prescrições repetidas deste fármaco deverão ser encaminhados para o médico prescritor.



      O tiocolquicosido é um composto sulfurado semissintético derivado do colquicosido,1-3  sendo utilizado na prática clínica há vários anos como relaxante muscular, isoladamente,2 ou em associação com o paracetamol.3 Apesar do mecanismo de ação não ser claro, acredita-se que os  efeitos miorrelaxantes resultem da sua ação antagonista dos recetores GABA-A, induzindo depressão do sistema nervoso central e, por sua vez, miorrelaxamento, predominantemente a nível supraespinal,2 embora não se possa excluir a existência de um mecanismo de ação glicerinérgico.1,2

      A Agenzia Italiana del Farmaco desencadeou uma revisão de segurança do tiocolquicosido, no seguimento da análise de dados experimentais sugestivos de que um metabolito deste fármaco, designado por M2 ou 3-demetiltiocolquicina- SL59.0955, podia lesar as células durante a divisão celular, causando aneuploidia.5,6

      A aneuploidia é uma anomalia cromossómica caracterizada pela alteração do número de cromossomas,2-4 pelo que representa um fator de risco para teratogenicidade, embriotoxicidade, aborto espontâneo e problemas de fertilidade nos homens.2-6 Apesar da ausência de evidência concreta, crê-se ainda que possa aumentar o risco de desenvolver cancro.2,4-6

      Após uma revisão dos dados, pelo Comité de Medicamentos de Uso Humano da Agência Europeia do Medicamento, este concluiu que os níveis registados de M2, depois da administração oral de tiocolquicosido nas doses recomendadas, não eram muito inferiores aos necessários para provocar aneuploidia,5,6 pelo que foi emitida uma recomendação de restrição da utilização dos medicamentos contendo tiocolquicosido, por via oral e intramuscular na União Europeia.5

      A formação deste metabolito foi sobretudo observada nas apresentações orais, tendo induzido danos nos cromossomas in vitro (teste de micronúcleo in vitro em linfócitos humanos) e danos nos cromossomas in vivo (teste de micronúcleo oral in vivo em medula óssea de ratos administrado oralmente). Os micronúcleos resultaram predominantemente na perda de cromossomas, sugerindo propriedades aneugénicas.2

      Salienta-se que esta restrição de utilização não é aplicável a medicamentos contendo tiocolquicosido para aplicação tópica (atualmente não comercializados em Portugal), uma vez que não são produzidos níveis substanciais de M2 com capacidade para alterar o material genético das células.5,6

      Com o intuito de minimizar os riscos associados ao seu uso, a Agência Europeia do Medicamento e o Infarmed efetuaram um conjunto de recomendações que deverão ser tidas em consideração, pelos profissionais de saúde e utentes, nomeadamente:

          • O uso sistémico de tiocolquicosido encontra-se reservado a adultos e adolescentes com idade igual ou superior a 16 anos, estando indicado como tratamento complementar de contraturas musculares agudas em patologias vertebrais.2,4-6 Deverá ser evitado o seu uso prolongado, assim como a utilização de doses superiores às preconizadas;2,5,6
          • Para as apresentações orais, a dose máxima estabelecida é de 8 mg a cada 12 horas, por um período de tempo não superior a 7 dias consecutivos.2,4-6 No caso das formulações intramusculares, a dose máxima é de 4 mg a cada 12 horas, limitada a 5 dias de utilização;5,6
          • Os medicamentos contendo tiocolquicosido não deverão ser administrados em mulheres grávidas, lactantes ou em mulheres em idade fértil que não utilizem métodos contracetivos apropriados;2,4-6

          •  A cada consulta agendada, o médico prescritor deve rever o tratamento de utentes sob tiocolquicosido sistémico.5,6

      Adicionalmente, os medicamentos contendo tiocolquicosido deverão ser evitados/usados com especial precaução em pessoas com epilepsia ou predisposição para convulsões,2,3,7 uma vez que foi verificada uma ação pró-convulsivante, provavelmente devido ao antagonismo dos recetores GABA-A.7

      Em Portugal encontram-se, atualmente, autorizados vários medicamentos com tiocolquicosido na sua composição, para administração oral e intramuscular, pelo que a monitorização da dispensa destes fármacos torna-se fundamental. O farmacêutico deverá encaminhar para o médico prescritor os utentes com prescrições repetidas de tiocolquicosido,6 para que a medicação possa ser revista e para que seja avaliada a possibilidade de instituir uma alternativa terapêutica.3 Deverá ser reforçada a informação aos utentes acerca do uso seguro destes medicamentos4,5 e, particularmente nas mulheres, acerca do potencial risco decorrente do uso durante a gravidez e das medidas de contraceção eficazes a seguir.2,4

       

      Referências bibliográficas:

      1. Buckingham R. ed. Martindale The Complete Drug Reference, 40th ed. London, The Pharmaceutical Press, 2020.
      2. Relmus 4 mg cápsulas. Resumo das Características do Medicamento (RCM). Abr 2020 INFARMED.
      3. Thiocolchicoside: review of adverse effects. Prescrire Int. 2016 Feb;25(168):41-3.
      4.  Sanz M. Adalgur® (tiocolchicósido + paracetamol): recordatorio acerca de las restricciones y precauciones de uso en relación con el riesgo de genotoxicidad. panorama actual med. 2019; 43(422):390-395. [acedido a 11-12-23]. Disponível em:https://www.farmaceuticos.com/wp-content/uploads/pam/articulo/pdf/2020/12/PAM_422_12_390-395_FARMACOVIGILANCIA.pdf
      5. Article-31 referral – European Medicines Agency recommends restricting use of thiocolchicoside by mouth or injection. European Medicines Agency, last updated: Mar 2014. [acedido a 11-12-23]. Disponível em: https://www.ema.europa.eu/en/documents/referral/article-31-referral-european-medicines-agency-recommends-restricting-use-thiocolchicoside-mouth_en.pdf
      6. Circular Informativa N.º 264/CD/8.1.7. Tiocolquicosido - restrições na utilização. INFARMED. Nov 2013. [acedido a 11-12-23]. Disponível em: https://www.infarmed.pt/documents/15786/1096079/9432264.PDF/10c3044f-7f46-4927-9d36-a01e71c78a16?version=1.0
      7. Giavina-Bianchi P, Giavina-Bianchi M, Tanno LK, Ensina LF, Motta AA, Kalil J. Epileptic seizure after treatment with thiocolchicoside. Ther Clin Risk Manag. 2009 Jun;5(3):635-7. doi: 10.2147/tcrm.s4823.